sexta-feira, 27 de junho de 2008

MINHA TATHÁ E O GUI

Na saída da escola encontrei, por acaso, o avô de alguém:

___ A senhora é a professora de Gui?

___ Sim, sou eu.

___Prazer. Como vai o meu netinho? Ele é uma criança muito boa, neh?

___ Sim, sim, ele é uma criança carinhosa, atenciosa, colaboradora, preocupada com os colegas e comigo. Mas, isso, quando ele não está nervoso. Senão, ele chuta e briga com todo mundo, além de xingar a todos e a mim.

___ Não, isso não pode ser. Ele xinga a senhora?

___ Sim, sim. Ele xinga de vgbda, de vca, faz gestos obscenos e manda eu práquele lugar, o senhor sabe, neh?

O avô do menino quase enfartou. Ficou com ânsia e tudo o mais.
Em retrospectiva, várias vezes convoquei os pais dessa criança, sem resposta. Numa vez, suspenso pela diretora, sua mãe compareceu. Nas reuniões, nada dos pais ou responsáveis dessa criança. Não sei se revide, desabafo ou defesa, mas diante do avô de Gui, não silenciei. Achei importante falar, inclusive porque meu aluno estava ao nosso lado e ouviu tudo, envergonhado e cabisbaixo, talvez pelo medo de apanhar. Em conversa, seu avô prometeu não bater no aluno e assim foi feito.

Bom, pedagogicamente, fui inadequada, mas enfim...

Agora, a Tathá...

Tathá é minha aluna portadora de DM*, leve. Ela é linda, sorridente, gentil, simpática, tudo de bom.
Durante a realização das atividades, comuns a todos, ela pára e fica olhando para alguém, algo, ou para mim. Aí, eu digo:

___ Tathá, eu sei que sou linda (brincadeirinha), mas termine a tarefa.

Ela sorri e volta às tarefas.

Ocorre, também, o seguinte:

___ Prô, eu não consigo fazer o que está na lousa (ou alguma atividade diferenciada).

___ Tathá, você tentou? Você está com dúvida?

___ Não, professora. Eu não consigo!

___ Mas se você não tentou, como sabe que não consegue? Não me enrola, Tathá, mãos à obra.

___ Ahhhhhhhhhhhhhhh, prô!!! (E ela diz isso com a carinha mais linda do mundo, super dengosa)

___ Tathá, nem vem, volta pra teu canto e faz a lição.

Então, ela dá meia volta, sem querer querendo, senta e termina o que começou. Muitas vezes ela consegue, outras não. Quando isso ocorre, dou uma mãozinha, interfiro, medio. Tathá é uma criança inteligente. Em junho, ela já sabia ler, pouquinho, mas lia. Voltará em agosto, muito melhor.

Tathá é adorável.

__Tathá, não me enrola. Sei que você pode, sei que você consegue. Mãos à obra, Tathá e boas férias.


DM - Deficiência Mental
*DM

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Construção

Construção
O eu, escreveu Lacan, constrói-se à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que me é devolvida pelo espelho - este sou eu. O olhar do outro devolve a imagem do que eu sou. O bebê olha para a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico. O bebê tem que (é obrigado a) se “alienar” para que se constitua um “sujeito”. Porém só quando o bebê perde o objeto do seu desejo (mãe/seio) é que ele verifica que sua mãe não faz parte do seu corpo e não é completo (completude). Esta perda/separação vem por meio do “Significante Nome do Pai” que são as leis e limitações naturais da vida (trabalho, individualidade etc.). http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/24/artigo70925-1.asp